terça-feira, 10 de agosto de 2010

Cortando Cebola


De novo, uma poesia super-emocionante da Elisa...

"CORTANDO CEBOLA

Eu tava na beira do fogão

Preparo diário de alimento

Mas nesse dia era tempero de agonia

Nesse dia o que havia era profusão de lágrimas

saídas dos olhos

caídas lá embaixo

no térreo infinito do fundo das panelas

Eu que era artista sem dinheiro, aquela

E o talento esburrando como leite

esquecido exagerado de fervido

Eu era amigo de meu próprio peito

que estava quase abandonando a causa

Minha alma picadinha junto ao coentro

esquartejava meu anjo da guarda

como quem desossa uma galinha

sozinha, chorando sobre a solidão das vasilhas

tão melhor do que a minha

Eu que agora pareço que padeço

de não ter a natureza a meu favor.

Não ter a companhia dos legumes e das verduras

não sei se haverá comida amanhã

Só porque assumi ser artista

E não puta ou vilã de meu país

que é um universo

Desconverso comigo e pranteio a pia

Sem alvoroço, sem soluço

Só um percurso de rio constante e silencioso

se forma no meu rosto.

No quarto, o filho brinca distraído

Um grito mudo se refoga na minha fala

até a chegada da cara sagrada do filho à porta

Ia me pedir alguma coisa da função mãe...

Disse: põe seu prato, se vista, mas me poupe, me deixe quieta

Disse e fiquei parada

Olhando pra cor de sol que tem às vezes uma cenoura.

Meu filho responde então: tá bem, mãe, mas...

(olha pros meus olhos e pros da cenoura)

jura, jura mãe, que cê tá cortando cebola?"

Elisa Lucinda


Foto: http://standby.spaceblog.com.br/3/

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