De novo, uma poesia super-emocionante da Elisa...
"CORTANDO CEBOLA
Eu tava na beira do fogão
Preparo diário de alimento
Mas nesse dia era tempero de agonia
Nesse dia o que havia era profusão de lágrimas
saídas dos olhos
caídas lá embaixo
no térreo infinito do fundo das panelas
Eu que era artista sem dinheiro, aquela
E o talento esburrando como leite
esquecido exagerado de fervido
Eu era amigo de meu próprio peito
que estava quase abandonando a causa
Minha alma picadinha junto ao coentro
esquartejava meu anjo da guarda
como quem desossa uma galinha
sozinha, chorando sobre a solidão das vasilhas
tão melhor do que a minha
Eu que agora pareço que padeço
de não ter a natureza a meu favor.
Não ter a companhia dos legumes e das verduras
não sei se haverá comida amanhã
Só porque assumi ser artista
E não puta ou vilã de meu país
que é um universo
Desconverso comigo e pranteio a pia
Sem alvoroço, sem soluço
Só um percurso de rio constante e silencioso
se forma no meu rosto.
No quarto, o filho brinca distraído
Um grito mudo se refoga na minha fala
até a chegada da cara sagrada do filho à porta
Ia me pedir alguma coisa da função mãe...
Disse: põe seu prato, se vista, mas me poupe, me deixe quieta
Disse e fiquei parada
Olhando pra cor de sol que tem às vezes uma cenoura.
Meu filho responde então: tá bem, mãe, mas...
(olha pros meus olhos e pros da cenoura)
jura, jura mãe, que cê tá cortando cebola?"
Elisa Lucinda
Foto: http://standby.spaceblog.com.br/3/
Nenhum comentário:
Postar um comentário